sábado, março 18, 2006

Sao José

Hoje é o dia de Sao José. Dia 19 de março. Eu vivi mais de 40 anos no Brasil sem saber disso. Na verdade, nao fez diferença na minha existência. Aqui na Espanha, neste dia, celebra-se o dia dos pais. Acho interessante porque o Sao José é o mais periférico dos personagens bíblicos - pelo menos, os do núcelo central.

A vida

Li no blog da minha amiga Liney, gostei e trouxe para cá.
"Quando a gente pensa que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas".
Anónimo

Direitos legítimos

Ontem, vivemos um dia de discussao na Universidade sobre a nova lei de igualdade entre homens e mulheres. Foi uma idéia excelente! Os convidados eram homens e mulheres que ocupam distintos cargos na sociedade - remunerados e reconhecidos pelo sistema, ou nao. Foi bem esclarecedor e ilustrativo. Ficou claro para todos que, muitas vezes, as leis ajudam a sociedade a dar um salto qualitativo, mesmo que nem todos concordem no momento.

Para participar de uma das várias mesas redondas, convidaram um diretor geral da Iberdrola, uma diretora de escola e uma coordenadora de ONG. Para mim, esta foi a melhor discussao, porque realmente se dicutiu de verdade. O homem sentou no meio das duas mulheres. Ele tinha mais de 1,90 m, acho. Era enorme. Ele sentou e se atirou para um lado, como se estivesse em sua casa. De início, ele me pareceu grosseiro, maleducado e sem respeito com as companheiras de mesa e com o público. As duas mulheres eram magras e baixinhas. Descrevo estes dados porque quando terminou a discussao as mulheres tinham crescido e o cara tinha diminuido de tamanho. Foi maravilhoso! Senti alegria, porque o sujeito era muito prepotente. Louco de prepotente! Apareceu logo em sua expressao corporal e em suas primeiras frases. Ele acreditou que vinha discutir com um bando de feministas histéricas. Um equívoco gordo, porque ali estava toda a comunidade - homens, mulheres, trabalhadore(a)s, estudantes...

Inicialmente, ele disse que nao concordava com a lei porque a promoçao dentro da empresa tinha que ser por méritos. As mulheres, de distintas formas, responderam que, com a lei, nao muda a forma de promoçao. O que muda é a quantidade de homens e mulheres aptos à promoçao. Mais tarde, ele disse que, para dirigir uma empresa, um executivo (falou no masculino) levava uns 15 anos para conseguir aprender tudo e para poder desempenhar este posto satisfatoriamente. As mulheres rebateram que essa era uma necessidade dos homens, mas nao das mulheres, que conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo, e bem! Além disso, elas provaram com dados de 2005, super atualizados, que as microempresas que mais fecham sao as dos homens. As mulheres mantêm suas empresas e conseguem gerar mais empregos. E estes dados guardavam as devidas proporçoes entre as empresas de homens e de mulheres.

Resultado final: o público fez várias perguntas a elas e a concordância foi geral com as argumentaçoes das mulheres. Elas provaram que as teorias do cara eram implícitas e culturais, e que nao se apoiavam em fatos reais de base científica.

A conclusao geral da jornada, depois de muitas discussoes contra e a favor da lei, é conhecida: as mulheres nao têm a mesma oportunidade que os homens, nem em casa e nem no trabalho. Muitas mulheres do lar, que nao tinham vínculos com a universidade ou com as empresas ali representadas, participaram e opininaram, reforçando esta conclusao geral.

Inclusive no campo da educaçao, onde o número de mulheres é bem superior ao de homens, sao eles que ditam as regras, porque reitores e ministros da educaçao sao predominantemente homens - quando sabemos que existe muita mulher competente, trabalhadora e com um super talento para gestionar qualquer área do conhecimento.

Outra conclusao é a de que, mesmo com a lei, as mulheres terao que continuar atentas e seguir lutando para conquistar seus direitos legítimos. Ninguém quer ser igual aos homens, como disseram - e sentem - alguns enegúmenos que se pronunciaram ontem. Só queremos os mesmos direitos. Só isso. Direitos mais que legítimos!

quinta-feira, março 16, 2006

Sonhos que naufragam


fotos de Dèsirée Martín / EFE

Novamente, com a primavera, começam a chegar múltiplas embarcaçoes, carregadas de africanos, à costa espanhola. Estas criaturas lançam-se ao mar em pequenos barcos - pateras -, sem alimentaçao e água, numa tentativa desesperada de melhorar um pouco sua história ingrata. A pobreza extrema e a corrupçao que assola o continente africano, expulsa os indivíduos de seus lares, para correr riscos que podem ser fatais. Na verdade, os riscos de morte sao altíssimos - para quem fica e para quem parte. Muitos arriscam, porque é a única perspectiva de mudança e de progresso que conseguem ver para seu futuro. E isso é muito triste! Eles nem sonham que a história nao é exatamente assim, e que, aqui, eles também sofrerao muito, se conseguirem chegar - sem que o mar ou a polícia trave seus planos.

Dentro de toda esta tragédia, uma das coisas que me causa verdadeira repulsa sao os mercadores de gente. Nao entra na minha cabeça que se possa fazer negócios com a desgraça deste povo. As máfias que traficam com a vida dos africanos - que entregam tudo o que têm para poder fazer a travessia - nao se responsabilizam de nada e nao informam dos perigos e das improbabilidades das pateras. Simplesmente abocanham o dinheiro deles, em troca destes miseráveis barcos. Isso confirma o que todos sabemos, e que vimos claramente no filme o Jardineiro Fiel: a vida dos africanos nao vale muito.

Eles saem da África e passam 4, 5, 6 dias viajando, sem poder comer e sem ter espaço para mover o corpo - pela quantidade de gente que abarrota os pequeníssimos barcos. Se o mar está agitado, muitos caem e a travessia continua. Ás vezes, só chega o barco.

Esta situaçao diminui um pouco no inverno, mas nunca chega a desaparecer. Desde que eu cheguei aqui, em 2000, acompanho pela TV a chegada destes homens, mulheres e crianças. Sentada num bom sofá e super bem alimentada, sinto culpa pelo drama dos africanos. Penso que as imágens da chegada deles, desnutridos, desesperados, desorientados, com hiportemia e sem conseguir andar, toca o coraçao de qualquer pessoa. Muitos chegam inconscientes. Algumas mulheres vêm grávidas, com a esperança de parir em solo espanhol, o que lhes daria o direito de ficar aqui. Umas chegam vivas; outras, morrem pelo caminho. Quando eles conseguem chegar, normalmente, a polícia já está ali - porque usam um radar que capta a concentraçao de gás carbônico que os navegantes eliminam ao respirar. Os navios-patrulheiros, que estao parados na costa, detectam uma pequena névoa em seus radares e já sabem que a tantas milhas vem uma patera. Pelo tamanho da névoa eles podem fazer estimativas sobre a quantidade de pessoas que chegam.

Dizem os jornais que nos últimos 4 dias, entraram mais de 1500 pessoas no solo espanhol, principalmente em Canárias. A Cruz Vermelha adverte que o número de imigrantes supera em 200% o número de 2005, neste mesmo período.

No último final de semana tocou um alarme na sociedade espanhola. Os centros de internamento já nao têm mais lugar para abrigar tanta gente. Com isso, o governo envolveu o exército para atender aos que estao chegando. Parte da sociedade nao concorda com a política adotada, porque nao admitem gastar o dinheiro público com os africanos e com nenhum outro imigrante. É a mesma parcela da sociedade que se sente invadida e que tenta deseperadamente guardar suas riquezas, sem nem se questionar sobre a procedência desta concentraçao de riqueza. Uma história conhecida e muito repetida.

quarta-feira, março 15, 2006

O País Vasco

Na Espanha, a letra v tem som de b, por isso País Vasco soa como País Basco. Por isso, também, já ouvi muito espanhol dizendo bery well.

Esta regiao da Espanha é diferente das demais regioes. O predomínio do verde, a beleza das montanhas, os enormes montes de pedra, os casaroes construídos nas montanhas, as vacas e as ovelhas que nao deslizam montanha abaixo (nao sei como!), os recortes do litoral, as gigantescas falésias...tudo é bonito! O País Vasco, a Cantábria, o Principado de Asturias e a Galícia, que sao o litoral norte, têm umas paisagens bucólicas super interessantes e bonitas, mas chove muuuuito no inverno. Além do frio intenso e da neve abundante, as chuvas sao torrenciais. E, quando nao chove, fica aquele gris escuro que a minha amiga Marcia adora! Podemos passar um mês sem ver a cara do sol. Começa a bater uma tristeza e uma forte necessidade da energia solar. Para quem viveu 12 anos no Recife, chega a ser uma tortura, às vezes.

Como o dia hoje amanheceu super ensolarado e com um certo calorzinho (16 graus), resolvi ir ao encontro do que a Anlene já tinha anunciado: a quase chegada da primavera. Saí para caminhar pelos montes e, depois, pela praia. Me surpreendi com a quantidade de flores e de cores. Ela realmente já mostra sua face.

segunda-feira, março 13, 2006

Alzheimer

Há algumas semanas atrás, comentei que tinha trabalhado muitos anos com duas senhoras que padeciam de Alzheimer. Este trabalho me proporcionou um certo conhecimento a respeito desta enfermidade. Li muito sobre o tema, e continuo lendo.

Ultimamente, ando preocupada com os números alarmantes do crescimento/incidência desta doença - que é degenerativa e nao tem recuperaçao. Li num artigo hoje que, se nao encontrarem logo a cura do Alzheimer, esta doença alcanzará proporçoes epidêmicas até a metade do século. Nao gosto de ameaças catastróficas - e como elas existem! -, mas fiquei apreensiva com a notícia.

Depois de ler o texto, encontrei uma pessoa cuja mae está no segundo estágio desta doença. Ela me contou da dificuldade de levar uma situaçao assim e de seu pânico em relaçao ao futuro. Enquanto ela falava, eu lembrava de coisas que tinha lido como a deteriorizaçao lenta das células nervosas, que vao impedindo a pessoa de dominar as emoçoes, reconhecer padroes de comportamento e coordenar o movimento e as lembranças. A pessoa acometida deste mal vai perdendo a memória e o funcionamento mental. Suas reaçoes podem ser inesperadas e, muitas vezes, agressivas, mas esta situaçao de inestabilidade é provocada pela terrível desorientaçao que o enfermo sofre. Realmente, é muito ruim sentir a perda gradativa das capacidades e sentir o medo incontrolável com relaçao às distintas situaçoes vividas no cotidiano, que antes eram normais.

Para os familiares, nao é fácil manter a serenidade, embora esta seja a necessidade principal do enfermo. Sentir a tranquilidade das pessoas que o cercam é a unica maneira de minimizar os medos e os fantasmas. Esta enfermidade mexe com a estabilidade de todos. A família, muitas vezes, sente-se tao perdida e desorientada quanto o paciente.

Conversei um bom tempo com esta pessoa e tentei acalmar seus sentimentos. Expliquei que ela devia estabelecer uma rotina diária, cômoda e estável para a sua mae. A novidade provoca ansiedade nestes doentes. E a rotina proporciona segurança. Entao, é aconselhável que exista uma mesma rotina para despertar, banhar, vestir - sempre na mesma sequência -, tomar café, fazer alguma atividade....dia após dia. O paciente, na medida do possível, deve saber qual será o próximo passo. Isso só é possível, naturalmente, num estágio inicial.

Como eu disse anteriormente, a tranquilidade do lar é um dos fatores mais importantes para o equilíbrio do paciente. As visitas familiares devem ser relaxadas e sem nenhuma cobrança ao doente, que necessita sentir apoio, carinho e incentivo, mas nenhuma pressao. Os familiares devem incentivar o paciente a lembrar de eventos passados e presentes, de datas importantes, de pessoas conhecidas - mas sem nenhuma pressao se ele nao conseguir lembrar.

É imprescindivel tentar evitar os traumatismos, deixando a casa livre de obstáculos que possam provocar acidentes. Como estes doentes padecem de falta de equilíbrio e de coordenaçao, as quedas sao frequentes. O melhor é tirar todos os tapetes, fios e extensoes que possam existir na casa. E comprar sapatos antiderrapantes - com solas de borracha.

É recomendável, para facilitar a localizaçao no tempo, comprar um calendário grande e um relógio também grande. A cada dia que passa, deve-se solicitar ao paciente que marque com um X no dia presente.

Numa fase mais adiantada, é bom colocar desenhos nas portas da casa, especialmente no banheiro. O paciente fica desorientado, sem saber onde está e para onde deve ir. Algumas famílias colocam etiquetas com os nomes dos objetos da casa.

Outros aspectos fundamentais a observar no cotidiano de um paciente de Alzheimer sao a delicadeza e o respeito na conversaçao; a fala tranquila e serena; as frases curtas e objetivas; ter sempre uma explicaçao para tudo o que se faz; gesticular de forma pausada e calma; incluir o paciente na conversaçao, sempre que possível - mas sem que isso represente uma angústia ou uma pressao para ele. Tudo tem que ser muito tranquilo e cuidadoso para nao assustar e provocar reaçoes adversas no paciente.

Também é legal cantar com eles; ler revistas e jornais com muitas gravuras; ver fotos, repetidas vezes; varrer uma peça da casa; pintar; desenhar; jogar levemente uma bola; ver filmes antigos; passear por caminhos muitas vezes percorridos; fazer exercícios leves, como se fosse uma brincadeira, estimular que eles contem sua história, ...e ir descobrindo o que mais causa prazer, alegria ou relaxaçao.

Lembro que as duas irmas que eu cuidava tinham aversao à banheira - e aqui na Espanha todas as casas têm banheira. Eu percebia que elas tinham medo. Li hoje, neste artigo, que a banheira passa a ter uma profundidade impressionante para os enfermos de Alzheimer e que o ruído da água também provoca muito medo neles - como a alguns bebês. Nem sempre nos damos conta da magnitude dos delírios que atravessam seus pensamentos. É preciso estar muito atento aos sinais nao-verbais.

Esta doença devora a memória e as possibilidades de pensamento lógico e abstrato da pessoa, deixando verdadeiros buracos negros em sua existência. É um processo que gera desespero e ansiedade, tanto para o paciente como para a família que o cerca. Os dados mostram que este período de degeneraçao progressiva - que exige tanta doaçao e paciência por parte da família - pode deixar seqüelas sérias em todos. Por este motivo, existem grupos de apoio e terapias especializadas neste tema. É importante que a família possa compartilhar os sentimentos com pessoas preparadas para esta finalidade - para enfrentar a situaçao da forma mais tranquila possível.