sexta-feira, fevereiro 24, 2006

A arte tupiniquim se revela

Dentro da história do Brasil, um dos momentos que mais gosto de ler e de saber se relaciona com a Semana da Arte Moderna (Sao Paulo, 1922). Este momento me proporciona alegria. Fim do academicismo! Fim dos rígidos modelos portugueses! Uma arte tipicamente brasileira! Uma arte tupiniquim, enfim!

Influenciados por movimentos vanguardistas europeus - futurismo, dadaísmo, expressionismo e surrealismo - , os artistas da época impulsionaram o redescobrimento de um Brasil real - nao mais um prolongamento de Portugal. Foi um momento de autodescobrimento do país! Um momento muito importante, pela renovaçao do ambiente artístico e cultural do Brasil.

Alguns dos artistas que participaram da Semana da Arte Moderna foram: Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcati - que criou o desenho do folheto de propaganda do evento, como mostra a foto - Mario de Andrade, Oswald de Andrade - um dos meus ídolos -, Menotti del Picchia, Plinio Salgado, Ronal de Carvalho, Renato e Guilherme de Almeida, Villa-Lobos, Manuel Bandeira, Graça Aranha, e outros. Que turminha mais charmosa e interessante!

Oswald de Andrade escreveu no jornal, "A língua sem arcaísmos, sem erudiçao. A contribuiçao milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos". Em seu manifesto literário antropofágico, ele retratou a desigualdade da sociedade brasileira e o abismo entre a pobreza-riqueza e arcaico-moderno, entre outras coisas. Está claro que o tema continua super vigente!

Talvez possamos dizer que a rebeldia destes artistas com relaçao às normas estabelecidas e a denúncia da situaçao real do Brasil daquela época serviram de exemplo para outro movimento brasileiro da década de 60: o Tropicalismo.

Já li alguns textos que dizem que a história nao foi bem assim, mas prefiro acreditar que os artistas da época - escritores, pintores, escultores, arquitetos, músicos - conseguiram dar uma virada espetacular na arte brasileira. Depois de cem anos da independência política de Portugal, a arte também conseguiu sua independência.

Um poema que reflete bem a inconformidade e de rebeldia daquela época é a Poética, de Manuel Bandeira:

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
[protocolo e manifestaçoes de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averigüar no dicionário
[o cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construçoes sobretudo as sintaxes de exceçao
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto nao é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
[exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
[maneiras de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Nao quero mais saber do lirismo que nao é libertaçao.

(clowns significa palhaços, artistas grotescos)

Raul Bopp que, junto com Oswald de Andrade e Alcântara Machado, fundou o movimento nativista Pau-Brasil, escreveu o seguinte:

Debaixo de um Brasil de fisionomia externa, havia um outro Brasil, de enlaces profundos, ainda incógnito, por descobrir. O movimento, portanto, seria de descida às fontes genuínas, ainda puras, para captar os gérmens da renovaçao; retomar este Brasil subjacente, de alma embrionária, carregado de assombros e procurar alcançar uma síntese cultural própria, com maior densidade de consciência nacional.

Nao resta dúvida de que este foi um momento importante da nossa história artística e cultural!

Rio de Janeiro

Que cidade linda!!!

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Los abuelitos

Me impressiona o fascínio que os Rolling Stones continuam exercendo no mundo! Os caras sao feras mesmo! O megashow deles reuniu cinco geraçoes e mais de um milhao de pessoas. Nao é para qualquer banda!

Desculpas

Eu tenho uma amiga, Andrea, que tem uma amiga, Cristina, que é portuguesa. A portuguesa, quando comete algum equívoco, diz: imensas desculpas! Adoro! Imensas desculpas sao mais que desculpas. A criatura fica tri-desculpada!

Castilla y León

Castilla y León é uma regiao da Espanha especialmente bonita. Os peregrinos do Caminho de Santiago a percorrem com muito entusiasmo, pelas belezas naturais e artísticas que encontram. Castelos, monastérios, catedrais, casas de pedras, ruas de pedras...conjuntos históricos que surpreendem e extasiam os visitantes. Também podemos encontrar manaciais de águas curativas e hidrominerais e vales impressionantes.

É uma regiao de ótimos vinhos e de uma gastronomia supimpa! O vinho Ribera de Duero é desta regiao. A comida se distancia um pouquinho da vegetariana. Basicamente é feita por carnes ao forno: ovelha, leitao, cordeiro, chuletas. Também tem uns queijos ótimos, além de ser zona de bom choriço. É de lamber os beiços!

Nesta comunidade autônoma, existem três cidades que sao consideradas Patrimônio da Humanidade: Ávila, Salamanca e Segóvia.

Ávila é a mais antiga delas e tem umas muralhas de quase três km, que funcionavam como proteçao em épocas de lutas. Esta cidade tem uma característica especial, que se refere a sua formaçao inicial. Foi formada por três culturas distintas: a islâmica, a hebréia e a cristiana. Só por isso já vale a pena conhecê-la.

Salamanca tem a universidade mais antiga da Espanha e possui uma populaçao bem diversa. É uma cidade universitária que abriga gente do mundo todo. Andando por suas ruas, ouvimos os mais distintos idiomas. É interessante!

Segovia, da mesma maneira, tem encantos: suas igrejas românicas, seus conventos, suas ruas estreitas e seus palácios. Também é formada por um encontro de culturas. As três sao lindas! Andando por suas calles, parece que voltamos à Idade Média. Beleza pura. Beleza pétrea. Beleza medieval.

Quando vejo os monastérios, penso que a História começou a ser escrita dentro de seus muros e, logicamente, dentro de uma perspectiva católico-religiosa. Lembro do filme O Nome da Rosa. E a história da Espanha tem uma importante participaçao da Igreja.

Atualmente, a regiao de Castilla y León está repleta de pousadas rurais - uma opçao de alojamento que permite conhecer os tesouros naturais, artísticos e gastronômico a um preço mais acessível. Caminhar pelas rotas históricas, em caminhos amplos e quietos, é um autêntico prazer!

Rélpimi

O meu blog travooooooouuuuuu!!!

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Tio Lydio

No dia 29 de janeiro, neste blog, escrevi um texto sobre o primeiro Panerai na terra brasilis: meu avô materno. Contei, neste texto, que ele teve 7 filhos.

Atualmente, dos 7 filhos do italiano, apenas um deles está vivo: o meu tio, Lydio Panerai.

Sempre me pergunto o que faz com que uns morram e outros sobrevivam dentro de uma mesma família. Que componentes entram na morte e na vida das pessoas ligadas por laços de sangue? Onde este tio encontrou garra e motivaçao para viver com a arte que sempre viveu? Por que os outros nao saborearam a vida com o talento que ele demonstra? Talvez as respostas estejam nos objetivos de vida que cada um define para si e na satisfaçao percebida nas relaçoes interpessoais e profissionais.

A serenidade, a meiguice, a delicadeza e a extrema simpatia deste tio, sao algumas das características que constituem a integridade deste homem que soube definir claramente seus caminhos. E, nos caminhos percorridos, ele sempre viveu bem na companhia de sua esposa Maria. Os dois viajam pelo mundo e se acompanham com muita criatividade e disposiçao. Sao companheiros autênticos. Almas gêmeas. Ela é escritora e publicou vários livros. Também fez muitas novelas para o rádio. Ele é o principal admirador de sua obra. Possivelmente, a arte dela se vinculou ao talento e à força dele, e o resultado é que os dois vivem saudavelmente a vida.

Eu o vejo como um porto seguro que aceita e recebe todos os que vierem em paz e com boas intençoes. Acho que ele representa a estrutura que sempre porporcionou equilíbrio e segurança para que os membros da sua família pudessem realizar todos os vôos desejados e imaginados, e voltassem ao porto tranquilo que ele oferecia quando quisessem ou necessitassem.

Como eu sempre vivi longe dele, pedi à tia Maria, sua esposa, que contasse alguns detalhes da existência deste grande homem. Pedi um breve relato, ao que ela respondeu imediatamente afirmando que era impossível fazer um breve relato de um homem como ele. Realmente!

Aqui, apresento o olhar e os sentimentos de minha tia, sua companheira de mais de 60 anos de vida conjunta.

Monumento: Obra ou construção destinada a transmitir à posteridade a memória de de fato ou pessoa notável; Qualquer obra notável.

Sentinela avançada: O que está à frente, soldado que fica a um posto para o guardar.Pessoa incumbida de vigiar ou guardar alguma coisa; vigia; sentinela; atalaia; o último a abandonar o campo ou a luta.

Ser tudo isso é ser Lydio Panerai.

P anerai,
A ntes de tudo, é digno, ama com moderação, e
N unca precisa perdoar, muito menos ser perdoado, pois
E spera pela volta daquele que lhe volta as costas, e
R i antes de chorar; dosa com sabedoria o choro/riso, e
A ntes de punir, julga com a razão = ao coração, e, sendo
I mparcial, humilde, crê sem fanatismo no Ser Maior.

Eu diria, dentro do meu estilo lírico, que esse acróstico bem pode ser desenvolvido num relatório ou descrição plena de um Lydio Panerai. Homem que nunca colocou o ser "macho" como apologia do Ser. Nem fez da força a sua defesa e nem arma de ataque.

Nem da palavra a lâmina aguçada; mas o entendimento pela própria palavra, ou até mesmo o silêncio de que muitas vezes fez uso com sucesso, em momento oportunos, e, vezes muitas, calou, não por covardia, mas por plena sabedoria de quem cala no momento certo. E o choro, não sendo o seu forte - e não praticado -deu-lhe a couraça de que precisou para não se acovardar.

Doou-se, sem nunca pedir retorno; feriu-se sem nunca desejar vingar-se; amou sem nunca querer a volta. Caminhou a vida sem precisar lamentar as quedas que foram sucedendo - nessa caminhada: - à sua própria vida.

Nunca foi dado ao ridículo, nunca julgou e nem nunca excedeu-se, nem em ódio e nem em amor. Moderado? Talvez, sim. Cauteloso, eu diria.

Nunca ajoelharia diante de um ídolo ou "herói"!, e nem nunca aceitaria ser chamado um deles. Não foi ridículo nem nunca redicularizou alguém. Está sempre pronto à Longa Viagem, sem precisar do ato confessor de contrição, porque o seu dia a dia já é um Ato de estar pronto à Longa Viagem.

Nunca exigiu respeito e sempre lhe foi dada a dignidade do respeito. Nunca elevou a voz, em ordem de "calem-se". Calou, muitas vezes, para que outros fizessem o mesmo: calarem. Finalmente, Lydio Panerai, sendo o último remanescente,- no meu entender humilde - é, na verdade, a estaca cravada na história final dos descendentes de Abel Panerai, onde terão começo outras
histórias, contadas em outras eras, isso é certo e incoteste, e assim infinitamente, porque é produto de semente boa, e, como semente boa, irá renascer em outras sementes e outras semente e assim, infinitamente...

Não tenho mais a dizer, senão:

Vivo junto a um Monumento que está comigo cerca de sessenta anos, e diante do qual eu me posto, em contemplação, pelo muito que sempre deu a mim, sem nunca pedir retorno, em menor gesto ou palavra mais egoista: ele é Lydio Panerai.

Esta sao as palavras de uma esposa agradecida a um companheiro maravilhoso. Uma história bonita!